segunda-feira, 23 de junho de 2008

Esta foi a semana

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ESTA FOI A SEMANA em que foi ratificado o novo Tratado da União Europeia, vulgo Tratado de Lisboa, alcunhas da Constituição Europeia. A aprovação, no Parlamento, foi triste e sorumbática. Quase clandestina. A cerimónia foi recheada de banalidades. Um viveiro de lugares-comuns. Esta ratificação, a que falta a promulgação pelo Presidente da República, substituiu o referendo nacional (e os outros referendos nacionais) que os governos europeus tudo fizeram por afastar e proibir. Referendo esse que o governo de José Sócrates tinha prometido realizar. Desapareceram a discussão e o debate sobre a Europa e a sua União. Desapareceram o entusiasmo e o interesse. Em toda a Europa, o debate sobre estes temas, cruciais, transformou-se numa cacofonia burocrática. De “furtiva”, como lhe chamavam os pais fundadores, a “construção europeia” tornou-se velhaca. A União Europeia assume de modo crescente a sua característica de Europa dos Estados contra os povos. Esta é uma atitude concertada e deliberada dos dirigentes europeus. Apesar disso, ou por causa disso mesmo, estes são depois férteis em queixumes sobre a falta de participação dos povos e, sobretudo, dos jovens. Criaram o silêncio e chamaram-lhe paz!
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ESTA FOI A SEMANA em que se fez, mais uma vez, a comemoração oficial do 25 de Abril. Na Assembleia da República. Com intermináveis discursos, geralmente bacocos. Tentando fugir à banalidade, o Presidente da República trouxe uma sondagem sobre a participação política da juventude. Parece ter ficado genuinamente surpreendido com o estado em que se encontram as mentes juvenis. Mais que o desinteresse pela política, o que realmente choca é a incultura dos jovens inquiridos, em grande parte estudantes. Como em quase tudo na vida portuguesa, todos se voltam para as soluções milagrosas. Quase todos pensam que, com o ensino da História e uma disciplina de “educação cívica”, se resolveria o problema. Para alguns, a resposta é ainda mais simples: uma versão “correcta” do 25 de Abril nos manuais de História bastaria! “O problema é da educação”, dizem uns. “A comunicação social tem um papel muito importante a desempenhar”, acrescentam outros. “O problema é das mentalidades”, concluem ainda outros. Há décadas que se ouve isto. A propósito de tudo, do civismo, do ambiente, das desigualdades, da educação, da justiça, dos graffiti nas paredes e dos acidentes de viação. Não se aprende nada!
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ESTA FOI A SEMANA em que as lutas no PSD atingiram a cor e a temperatura do ferro em brasa. A fazer lembrar a família Adams, mas com menos ternura e graça. Ou será a família Soprano, noutro ramo de negócios? Nunca, em mais de trinta anos, o debate dentro de um partido atingiu um tão baixo nível de educação e inteligência. Eles próprios se tratam de barões e baronetes, caciques, incompetentes, demagogos, oportunistas e suicidas. Não se consegue perceber o que politicamente os divide. A protecção social? A empresa privada? O mercado? A justiça? A educação? A saúde? A defesa nacional? Ninguém diz ao que vem. Ninguém anuncia programas e estratégias. Uns desgrenhados, outros arrumados. Uns bem-falantes, outros a vociferar. Uns básicos, outros sofisticados. Parecem bandos à solta, grupos esfomeados à procura de poder e poleiro. É possível que a luta entre famílias do PSD venha ajudar Sócrates e os socialistas. Mas esse é o menor dos males. Grave é o mal que faz ao país.
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ESTA FOI A SEMANA em que o governo aprovou a sua proposta de revisão do Código de Trabalho, que entra agora em fase de negociação com os sindicatos e os patrões. É uma proposta razoável e moderada, feita pelo mais competente dos ministros do actual governo, Vieira da Silva. Insuficiente, em muitos aspectos. Apesar da redução dos prazos, ainda mantém um ano de processo judicial para resolver um litígio por despedimento. Inventa bonificações para os empresários que reduzam os recibos verdes e aumentem os contratos sem termo, criando assim mais regimes especiais, uma das pragas do sistema em que vivemos. Cria ou desenvolve uma cláusula de “inadaptação tecnológica” cujo principal valor é o da ambiguidade. Insiste em procedimentos burocráticos, a fazer cumprir pelos empresários, que tornam tudo mais difícil. E não obriga o Estado aos mesmos deveres que os privados. Mas o projecto melhora em vários aspectos: na segurança e na flexibilidade. Aumenta as possibilidades de uma empresa e os seus trabalhadores arranjarem sistemas próprios, como sejam os bancos de horas ou os créditos de tempo. Faz caducar contratos colectivos obsoletos. Dá mais liberdade às negociações bilaterais entre trabalhadores e empresas. O projecto é socialmente equilibrado, mas não será por causa disto que o investimento e o emprego aumentarão. Até porque, nos últimos anos, têm sido justamente os empregos a recibo verde que têm sido responsáveis pela maior criação de emprego.
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ESTA FOI A SEMANA em que, mais uma vez, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o Estado português e os seus tribunais por terem considerado um jornalista culpado de comportamento impróprio e ilegal. O jornalista Eduardo Dâmaso teria infringido a lei do segredo de justiça. O Tribunal Europeu considerou, novamente, que os tribunais portugueses têm uma concepção limitada das liberdades de imprensa e de expressão e uma noção restrita do interesse público.
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ESTA FOI A SEMANA em que a flor dos jacarandás voltou à cidade! Os primeiros a florescer, tímidos, apareceram no Rato (mão amiga me levou lá!), em Belém e na Av. D. Carlos I. Mesmo previsíveis, as rotinas e as repetições têm destas coisas. Umas, como as comemorações oficiais do 25 de Abril, são cada vez mais maçadoras e destituídas de sentido. Outras, como a floração anual dos jacarandás, anunciam, com alegria, o eterno recomeço.
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Correcção: Há duas semanas, citei, nesta coluna, uma carta atribuída ao antigo Alto-comissário em Angola, Rosa Coutinho. Esse documento fora reproduzido em fac-símile num livro de Américo Botelho editado em Lisboa em 2007, “Holocausto em Angola”. Desde então, que eu soubesse, a sua autenticidade não tinha sido posta em causa. O Almirante Rosa Coutinho acaba de negar, na revista “Visão”, a autoria de tal carta. Lamento ter utilizado como argumento esse documento apócrifo. As minhas desculpas ao senhor Almirante e aos leitores.
«Retrato da Semana» - «Público» de 27 Abr 08

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