domingo, 28 de outubro de 2012

Luz - Vílnius, Lituânia, 1995

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Numa igreja da capital. Várias mulheres rezam. Ao fundo, umas imagens queimadas denunciam um potente reflexo de ouro e prata. Nesta cidade, é impressionante o número de belas igrejas que cruzamos por todo o lado. De pequenas capelas a imponentes catedrais. De todos os estilos e de todas as tradições. Passa-se com facilidade das influências romanas às germânicas e destas às russas. O culto é sobretudo católico. Mas também há ortodoxos e alguns protestantes. (1995)

domingo, 21 de outubro de 2012

Luz - Vila Nova de Gaia, 1979

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Cais de Gaia sobre o rio Douro. A poucos metros do início da ponte D. Luís. Três publicidades (e uma nesga de outra...) anunciam outras tantas caves de vinho Porto. É domingo de manhã. O longo cais de Gaia, atrás das personagens, revela o miserável estado em que se encontrava ainda há pouco tempo. Ainda não tinha sido objecto de enorme arranjo, reparação, reordenamento e limpeza, incluindo a construção de todos os bares e restaurantes que fazem a noite de Gaia e o almoço dos turistas. (1979)

domingo, 14 de outubro de 2012

Luz - Veneza, 1971

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Rua da cidade. É o fim da tarde de um dia de Outubro. A rua, banal, está suja. Três mulheres diferentes. Só eu sei quem são e o que fazem neste improvável encontro, melhor dizendo, cruzamento. (1971)

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Violência familiar


NÃO HÁ estatísticas. Nunca haverá. Mas estou convencido que a “violência doméstica” se define principalmente por dois factos. Primeiro: é a violência exercida pelos homens contra as mulheres. Segundo: é a violência praticada pelo Pai, pela Mãe, ou pelos dois contra as crianças. Por isso prefiro falar de “violência familiar”, predominantemente masculina. É bom evitar os efeitos perniciosos do eufemismo.

Também não possuo estatísticas, mas tenho a certeza que a violência familiar de carácter sexual é quase exclusivamente da responsabilidade dos homens, sendo as vítimas as mulheres e as filhas crianças ou adolescentes. Prefiro estes conceitos crus e realistas a outros termos mais suaves ou neutros.

Não há evidência empírica, muito menos números que mereçam confiança, mas o que se vê é pouco. O que se sabe ou o que é visível é apenas uma parte muito pequena desta sórdida história que é a da violência masculina contra as mulheres e as crianças da família. Quem é violento não diz nem confessa. Quem é vítima tem medo de dizer. Quem é agredido tem vergonha de revelar. Quem vê ou sabe não tem coragem para denunciar. Quem ouve falar acha muitas vezes normal. Quem regista não presta atenção. Quem investiga arranja quase sempre desculpas. Quem julga tem pretextos e escapatórias. Quem estuda dissolve na sociedade as culpas individuais.

Também não há elementos credíveis sobre as várias modalidades de violência, mas tenho para mim que os fenómenos essenciais são, por um lado, a pancadaria física de toda a espécie e, por outro, a agressão sexual nas variantes conhecidas. Não é de bom tom dizê-lo, mas a combinação entre violência e violação tem o condão de atrair um grande número de homens, tanto actuais como antigos. É uma combinação que associa o poder ao animal, com a sofisticação da humanidade mais brutal. Creio que mesmo as especialidades mais requintadas de violência psicológica e simbólica têm, na agressão física e sexual, a causa, o instrumento e o fim como explicação principal.

Apesar da falta de dados, estou finalmente convencido que a violência sexual masculina e a violência familiar atravessam todas as classes sociais, todos os meios culturais, todas as regiões, todas as convicções políticas e todas as religiões. Analfabeto ou doutorado, patrão ou trabalhador, católico ou muçulmano, citadino ou campónio, minhoto ou transmontano, popular ou erudito: nos anais da violência masculina e familiar há de tudo!

Por mais sólidas que sejam as minhas convicções, não consigo perceber! Porquê? Que leva um homem a chegar a casa, desancar a mulher que é suposto amar, violar a filha púbere e bater no filho adolescente? Não percebo. Qual a razão? Será porque a maior parte desta violência é invisível? Será porque o cinema, a fotografia, a televisão e a literatura nos habituaram? Porque a maioria das vítimas se calam? Porque a opinião pública não considera esta violência importante nem grave? Será porque todos pensam finalmente que sempre foi assim? Porque as pessoas acham que a violência faz parte integrante das famílias? Porque o senso comum aceita que a violência seja um instrumento de educação e uma forma de expressão afectiva? De tudo um pouco. Mas nada disso me basta como resposta. A verdade é que há coisas difíceis de perceber. Porque são complexas e porque exigem muito conhecimento. E sensibilidade. Ou então a capacidade de se colocar dentro da pele dos agressores ou das vítimas. Ou finalmente porque são mesmo difíceis de entender. Não consigo perceber. Perceber é uma das mais fascinantes actividades humanas que se conheça. Perceber é meio caminho andado para compreender. Ora, compreender é aceitar. E aceitar é quase tolerar. E tolerar é concordar. Ou ficar indiferente. Esta também é uma armadilha da compreensão.

Creio compreender a violência política e social; a militar e a policial; a terrorista e a racial; a religiosa e a económica. Isto é, creio ser capaz de enumerar razões e causas verosímeis de fenómenos de violência nas variedades descritas acima. Mas não consigo perceber a violência familiar. Não consigo perceber como se troca o amor pela pancadaria. Por que se substitui o sexo pela agressão. Por que se prefere a violação à carícia. Por que se procura e obtém prazer na violação e na agressão da filha.

Os dicionários e as enciclopédias não ajudam muito a compreender. A não ser que se fizesse um dicionário de preconceitos e ideias imbecis ou um vocabulário de termos sórdidos do machismo. Com contributos qualificados. “Uma boa bofetada nunca fez mal a ninguém”, diz o popular com ar convencido. “Quando chegares a casa, bate-lhe! Se não souberes porquê, ela sabe!”, conta, com um sorriso cúmplice, o conhecedor das tradições árabes.” No fundo, bem lá no fundo, as mulheres querem é ser dominadas”, garante o fino psicólogo. “É conhecido: quando uma mulher diz ‘não’, quer dizer ‘sim’”, afirma o especialista em linguística analítica. Mais truculento, mas não menos generalizado, o perito em ideias gerais assegura que  “no fundo, são todas umas putas”. O perito em provérbios não esquece de atribuir às mulheres o famoso “quanto mais me bates, mais eu gosto de ti”, uma espécie de santo e senha para todas as selvajarias. E mesmo a música tradicional e a cultura popular contribuem para tão importante auxiliar da língua portuguesa. Uma das mais famosas cantilenas da história de Portugal reza assim:

Sebastião come tudo, tudo, tudo,
Sebastião come tudo sem colher,
Sebastião fica todo barrigudo
E depois dá pancada na mulher.

Tentei, para meu benefício, enumerar as possíveis causas da violência familiar e machista. São numerosas. O poder, com certeza. A frustração dos maridos. O ciúme, justificado ou não. O desejo de outras, concretizado ou contrariado. O medo de outros, de terceiros que possam olhar para as suas mulheres. Os falhanços e as negas. Os males da vida profissional. As maçadas do emprego. As dificuldades económicas. As vicissitudes do futebol. As perdas ao jogo. O álcool, sendo que este nunca vale por si, vem sempre com alguma coisa atrás. Resumindo e concluindo: nem uma atenuante, nem uma desculpa, nem um motivo que sirvam para fundamentar a eterna complacência da justiça, isto é, do Direito e dos magistrados, perante a violência contra as mulheres.

Pior que tudo e também difícil de perceber é o que se passa na cabeça e na alma das mulheres e das crianças agredidas e violadas. A começar pela culpa, sentimento horrível quando são as próprias vítimas a afligir-se! A dependência financeira é também um velho tema. O argumento dos cuidados com os filhos também. A fraqueza física é factor indiscutível. A concepção predominante dos deveres da mulher (cozinha e cama) ainda vigora. O medo de falar, de denunciar, de levar mais pancada, de ser violada, de ficar aleijada, de perder os filhos e de ficar sem emprego, este medo fundo que rói os ossos, mói a alma e paralisa as energias. É deste medo e do papel extraordinário que pode desempenhar a ajuda de outrem que fala este livro e de que se ocupam estes cinco contos que se lêem seguramente com proveito, mas que se deveriam ler como se de uma penitência se tratasse. De uma penitência positiva. De uma penitência que nos ajudasse a nunca ser cúmplices, nem sequer pela indiferença.
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Prefácio ao livro Isto não é um conto – Histórias de violência baseadas na vida de seis mulheres, edição da Link e do Montepio, com textos de Afonso Cruz, Alice Vieira, António Figueira, Karla Suárez, Maria Teresa Horta e Patrícia Reis.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Apresentação de Fernando Henrique Cardoso

Senhoras e senhores,
 
A HONRA é minha! E nossa, da Fundação Francisco Manuel dos Santos. É um privilégio apresentar a todos os convidados e participantes deste Encontro um dos mais ilustres homens do século.
Fernando Henrique Cardoso é sobretudo um grande intelectual e um académico. Também foi um grande político. E um grande homem de Estado. Sendo tão difícil ser bem tudo isto, ele conseguiu. Mas fica predominante a sua estatura e a sua vocação de intelectual e académico. Em tempos de políticos profissionais de plástico e de pronto-a-vestir, só um intelectual é capaz de dizer “Falo sempre do jeito que falo, como um professor”! Só um académico tem o atrevimento de, depois de trinta anos de vida política intensa, intitular as suas memórias de “The accidental President”! Só um homem de cultura é capaz de evitar lugares comuns pomposos e dizer que uma das qualidades essenciais do político consiste em “ter os pés no chão e os olhos abertos”!
Quando jovem resistente e adversário da ditadura, Fernando Henrique Cardoso dedicou-se ao pensamento, à teoria e à ciência social. Devem-se-lhe alguns dos escritos mais interessantes sobre o desenvolvimento, o subdesenvolvimento e a dependência. E já então também sobre a liberdade e a democracia. Nunca Fernando Henrique subestimou a liberdade, em nome, por exemplo, do crescimento económico, da independência nacional ou até da revolução social. Num mundo dominado ainda por várias formas de imperialismo, a sua voz brasileira tinha eco longe, na Europa e nos Estados Unidos, incluindo nas Nações Unidas que o reconheceram como um dos mais interessantes e criativos estudiosos do desenvolvimento.
Afastado das universidades pela ditadura brasileira, Fernando Henrique Cardoso estudou e ensinou no Brasil e na América Latina, mas também nos EUA e na Europa, a começar pela Grã-Bretanha e por França. Era reconhecido como um dos mais importantes cientistas sociais da América Latina, das Américas e, se querem mesmo saber, do mundo.
Numa altura em que a direita, na América Latina e em muitos mais sítios, se preocupava sobretudo com o crescimento económico e a esquerda com as desigualdades e a revolução social, poucas foram as vozes que tentaram sempre manter as duas prioridades no horizonte do pensamento e da acção: a liberdade e o desenvolvimento: a democracia e o crescimento; a igualdade e a eficiência. Fernando Henrique tentou. E, em grande parte, conseguiu.
Quando a democracia regressou ao Brasil, Fernando Henrique Cardoso iniciou um percurso político notável. Foi Senador, Ministro dos negócios estrangeiros e sobretudo Ministro das finanças (da Fazenda, diz-se no Brasil). Este último cargo, não o queria! Foi nomeado de madrugada, enquanto dormia. Mas exerceu-o depois de modo inesquecível. Mais tarde, foi presidente do Brasil. À sua acção, como Ministro e como Presidente, ficou ligada a política monetária e financeira, o famoso Plano Real, que trouxe ao Brasil estabilidade, baixa inflação, mais igualdade, mais investimento e nova energia para o desenvolvimento! E além de tudo e sobretudo a consolidação e a estabilidade da democracia. O extraordinário percurso político deste grande país que é o Brasil fica em boa parte a dever-se a este homem e à sua acção firme. Ajudou à abertura do país ao exterior, abriu a economia pela destruição de monopólios e pela privatização de alguns grupos e teve acção efectiva nos sectores da educação e da saúde das regiões e das classes mais pobres.

Pelo que sabemos, do Brasil ou de Portugal, da Europa ou da América Latina, a associação entre liberdade e estabilidade, ou entre desenvolvimento e democracia, é uma das grandes dificuldades dos tempos presentes. Fernando Henrique nunca marginalizou a democracia, nunca subestimou a liberdade, nunca se alheou da população e do povo em nome da estabilidade política. E desempenhou um papel decisivo na reconciliação nacional entre adversários políticos dos tempos da ditadura. Isto, apesar de terem sido tempos de morte, de assassinato, de guerrilha e de tortura. Foi preciso pedir perdão, em nome do Estado, e perdoar, em nome dos cidadãos. Foi preciso reparar, mas também evitar a vingança a fim de preparar o futuro com mais coesão. Em tudo isso, Fernando Henrique Cardoso revelou uma extraordinária perícia e um humanismo a toda a prova.
Nos seus livros, na sua obra à frente do Instituto Fernando Henrique Cardoso, nas suas conferências e na acção muito variada de carácter humanitário e de defesa da cidadania, Fernando Henrique mostra-se sempre fiel a um estilo inconfundível, claro, directo, sem elipses barrocas, sem clichés e com uma fortíssima dimensão cultural. Consegue mesmo coisa extraordinária que é a de ter uma noção de política como decência, sem nunca cair no moralismo vizinho da hipocrisia. Nas suas “Cartas a um Jovem político”, consegue traçar as qualidades e os defeitos do político, sem ilusões, com marcado sentido do serviço público e do bem geral. Com a ternura do professor e o saber da experiência, Fernando Henrique diz-lhe que a política só vale a pena se for para melhorar o país e o povo! Se eu fosse jovem, deixar-me-ia tentar!

Senhoras e Senhores: o Presidente Fernando Henrique Cardoso.
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Fundação Francisco Manuel dos Santos
Encontro “O Presente no Futuro – Os Portugueses em 2030”
Lisboa, Centro Cultural de Belém, 14 e 15 de Setembro de 2012

domingo, 7 de outubro de 2012

Luz - Vale do Inferno, La Rosa, 2008

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Este “Vale do Inferno”, da quinta La Rosa, perto do Pinhão, nada tem de infernal. É um dos trechos mais impressionantes das margens do Douro cultivado. Estes socalcos e estes muros estão entre os mais bonitos, mais altos e mais bem conservados de toda a região. A família Berqvist, proprietária da quinta há mais de 100 anos, mantém estes socalcos e aliás toda a quinta com enorme cuidado. Estes tubos em cartão ou plástico brancos e verdes, que estão a ser aplicados pelas mulheres trabalhadoras, dão uma imagem bizarra... À distância, fazem pensar nas cruzes de um cemitério de guerra... Estes dispositivos ou “tubos” são conhecidos por “Snapmax”, marca da primeira variedade que surgiu na região e assim ficou. Colocam-se à volta do pé tenro da vide, servem para criar uma zona de calor, humidade e conforto. São como uma estufa, nome pelo qual também podem ser conhecidos. Além disso, servem de tutor do crescimento e protegem a videira dos roedores. (2008)