sábado, 16 de abril de 2016

Sem emenda - Um país normal

As dificuldades na formação do governo, que bem conhecemos há poucos meses, são agora comuns. Aqui ao lado, a Espanha, com quem ficamos sempre a perder nas comparações, mostra que se pode viver sem governo e sem coligações durante meses. Já a Bélgica, durante quase dois anos, tinha revelado o mesmo jeito. A Itália e a Holanda também eram conhecidas por isso. Uma partidocracia obsoleta, predadora da democracia e incapaz de diálogo não parece ser privilégio ou exclusivo nosso!

As vias misteriosas da corrupção e do nepotismo multiplicam-se, mas a impotência da Justiça e das polícias de investigação cresce ainda mais. O universo opaco dos negócios, dos favores, das privatizações maliciosas e da internacionalização enviesada vai-se tornando mais denso. Das telecomunicações aos serviços financeiros, da energia aos petróleos, dos grandes serviços públicos à construção, a rede desenvolve-se. Parece também já ter chegado aos vistos de residência e aos transportes aéreos. As investigações alargam-se. As denúncias repetem-se. As acusações aumentam. Desconfia-se cada vez mais, sabe-se cada vez menos. Luxemburgo e Suíça, México e Brasil ficam aqui perto. Portugal figura no Lava Jato e no escritório do Panamá. É finalmente claro que Portugal faz parte do jogo. A corrupção é inclusiva, não deixa ninguém de fora.

Descobrem-se umas centenas de nomes portugueses nos ficheiros de uma lavandaria financeira do Panamá. Nada de especial a assinalar. Milhares de outros nomes preenchem as listas de clientes. Da Rússia, da Grã-Bretanha, de Espanha, de França e da Máfia. Não estamos sozinhos.

Há grande número de ex-políticos (de deputado a primeiro-ministro, passando por secretário de Estado, ministro e chefe de grupo parlamentar) visados pela justiça. Tal como dezenas de capitalistas, empresários, autarcas, altos funcionários, directores de polícias e advogados suspeitos, investigados e escutados. Bem vistas as coisas, nada muito diferente do que conhecemos em tantos países, da Espanha à Grécia, da Itália à França. Nem a Alemanha ou a Grã-Bretanha escapam. Talvez haja uma pequena diferença: na maior parte desses países, chega-se a uma conclusão e a uma sentença. Aqui, é mais difícil.

Um ministro faz e diz disparates de tal modo inconvenientes que é forçado a pedir a demissão após poucos meses de mandato, antes mesmo de fazer qualquer coisa que se veja. Eis que não é novo entre nós, mas sobretudo que também se vê noutros países, de França a Inglaterra, da Grécia à Islândia e até na Alemanha.

Uma velha frase muito cá de casa, “Isto só em Portugal!”, está a perder validade. Já quase nada se pode dizer que seja “só em Portugal”! Porque ficámos iguais aos outros ou porque abandonámos alguns velhos incómodos. Já não nos distinguimos por termos muitos analfabetos, muita mortalidade infantil, muita tuberculose, uma reduzida esperança de vida, um baixo consumo de proteínas, uma vetusta censura e uma velha ditadura! Portugal já virou essas páginas. Parecemo-nos cada vez mais com os nossos vizinhos europeus. Começamos a merecer ser incluídos na lista dos ricos, dos civilizados e dos desenvolvidos.

Talvez a absoluta falta de jeito dos Portugueses para a criação e manutenção de bancos, sobretudo honestos, seja uma das características singulares do nosso país. Com excepção de um ou dois casos, a história da banca portuguesa parece uma narrativa dramática de falências, desonestidade e cumplicidade política. Banco português, propriedade de capitalistas e banqueiros portugueses, com maioria de accionistas portugueses e presença dominante de famílias portuguesas é sinal de desastre!
Um país normal? Quase…
.

DN, 10 de Abril de 2016

1 comentário:

bea disse...

Esta normalidade europeia que confrange e à qual também pertencermos melhor fora que a não tivéssemos, se era apenas isto que o fascismo evitava, diriam os Capitães de Abril que mais valia estar quieto. Mas não era. E não é. A democracia existe e foi experimentada. E estes são os seus riscos se entregue a medíocres que não sabem mandar nem policiar, que propalam consumos desenfreados e capitalismo que nem disfarçam a um povo que dela beneficia e se encosta enquanto os espertalhaços singram na agudeza da toupeira, do açambarcamento de riqueza e estratagemas que a avultem. Democracia não é santidade, antes propicia mais gente a viver à custa do mais fraco e de deixar cair todos os valores que antes eram sagrados, aqui o deus é outro, mais déspota que o do antigo testamento. Enquanto isto, as massas sentem-se mais confortáveis e tendem a olvidar os crimes dos homens.
Os homens são sempre os mesmos ainda que mudem os regimes políticos: uns como o outro, têm de ser vigiados de perto.