domingo, 12 de novembro de 2017

Sem emenda - Se

Se os magistrados não conseguirem provar o que afirmam no despacho de acusação do processo “Operação Marquês”;
Se não forem capazes de provar pelo menos metade do que ali suspeitam e afirmam;
Se a defesa vier a demonstrar que as acusações são falsas e infundadas;
Se a defesa tiver meios para demonstrar os seus pontos de vista e alegar justificadamente que a acusação não consegue provar o que afirma;
Se a defesa conseguir provar a boa fé e a inocência dos arguidos, políticos, ministros, banqueiros, deputados, gestores, amigos, familiares e primos, assim como alegados homens de mão e testas de ferro;
Se assim for, justifica-se escrever o epitáfio e mandar construir a lápide da Justiça portuguesa e podemos também dizer adeus por umas décadas ao Estado de direito em Portugal.

Mas se uma dúzia de acusações ficar provada;
Se o julgamento se iniciar em 2018 e se processar dentro de um horizonte de tempo razoável e se houver sentenças dentro de três ou quatro anos;
Se do processo se extraírem alguns ensinamentos relativos aos métodos de investigação, às condições de prisão preventiva e aos prazos de acusação;
E se do processo se retirarem lições sobre o modo como, de futuro, se impedem falcatruas e aldrabices e se evitam atentados processuais à dignidade dos cidadãos;
Se assim for, poderemos regozijar-nos com o melhoramento da nossa Justiça e é-nos permitido um parco optimismo, um pouco de esperança.

E se…
Se os relatórios de Pedrógão e de Coimbra forem lidos, comentados, levados a sério e não deitados ao cesto;
Se estes relatórios forem completados e desenvolvidos por novos estudos independentes, nacionais e estrangeiros, elaborados em tempo devido e tornados públicos já no próximo ano;
Se houver efeitos destes relatórios e forem concretizadas mudanças de organização, de estrutura, de métodos, de coordenação, de responsabilidades, de dirigentes e de tutela da Protecção civil, da previsão, da prevenção, do socorro e do combate aos fogos;
E se for criada uma poderosa “Administração Florestal”, estável, competente, com pessoal técnico e meios de intervenção e capaz de pensar o ordenamento a vinte ou trinta anos;

E ainda se…
Se algo parecido com o relatório de Pedrógão for feito para o roubo de Tancos;
Se a comissão de inquérito for até ao fim sem ocultação de fenómenos civis ou militares;
Se o relatório de Tancos for conhecido da opinião pública;
Se for ordenado procedimento judicial em conformidade;
E se os julgamentos se realizarem dentro de prazos sensatos a fim de corrigir os defeitos da defesa e da segurança;
Então sim, poderemos rejubilar com os progressos recentes da Justiça civil e militar.

Se ainda…
Se os relatórios relativos ao BES e ao GES forem terminados brevemente;
Se os despachos acusatórios forem tornados públicos em 2018;
Se os julgamentos forem iniciados já no próximo ano e terminarem em tempo útil antes do fim da década;
Se os processos incluírem não apenas os procedimentos alegadamente ilícitos, mas também todos os outros pelos quais, com a cumplicidade de entidades públicas, se destruíram empresas e instituições e através dos quais se evaporou e desviou valor;
Se assim for, se os processos de Tancos, Pedrógão, BES, GES, BPN, BPP, BANIF, BCP, PT, Marquês e Face Oculta, assim como o apuramento dos “mal parados” devido a decisões eivadas de favoritismo pessoal ou político, se estes processos tiverem consequências, se houver julgamentos em tempo sensato, se houver sentenças, condenações fundamentadas e absolvições indiscutíveis;
Então, sim, poderemos pensar que vivemos em democracia adulta, que o Estado de direito vigora mal mas vigora e que começamos finalmente a ter a experiência e o benefício de uma Justiça numa sociedade decente.
E teremos a sensação de sermos tratados pelo Estado e pela Justiça como gente digna e cidadãos livres.

DN, 12 de Novembro de 2017

1 comentário:

bea disse...

Este desiderato de ses não tem bom fim, não. Na realidade, quero dizer.