domingo, 28 de janeiro de 2018

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Mendigo nas escadas da Igreja da Encarnação, no Chiado, em Lisboa – Há, no Chiado, cinco igrejas curiosas: Loreto (ou dos Italianos), Encarnação, Mártires (a única que ostenta o título de Basílica), Sacramento e São Roque (na Misericórdia). São todas de muito interesse, foram todas vítimas do terramoto de 1755, depois reconstruídas e restauradas. De idades diferentes (a dos Mártires começou a ser construída no século XII, pouco depois da conquista de Lisboa), as três tiveram o seu período barroco e a reconstrução depois do desastre. Durante décadas, eram as igrejas de culto das elites lisboetas, tendo mesmo havido diferenças sociais entre elas, umas mais “chiques” do que outras. Alguns mendigos são residentes na entrada das três primeiras. Já era assim no princípio do século XX, há fotografias. Nos anos sessenta e setenta, a sua presença diminuiu. Recentemente, nos últimos dez a vinte anos, regressaram. Por causa das crises, à espera dos fiéis, mas também, agora, dos turistas.
DN, 28 de Janeiro de 2018

Sem emenda - Piedade e Misericórdia

Pelas más razões, duas das mais antigas instituições nacionais ocupam as páginas dos jornais e os noticiários de televisão: o Montepio Geral e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O assunto resume-se em poucas palavras: o banco Montepio está em má situação financeira e a Santa Casa está tentada a investir nele, no que é encorajada pelo ministro da Segurança Social e pelo Governo. A história é tão estranha e os riscos são tão grandes que vale a pena olhar um pouco devagar.
A designação de Montepio é antiga. É a versão portuguesa das Monte di Pietà e Monte dei Paschi, das Mont de Piété ou das Monte de Piedad. No essencial, estas instituições não lucrativas tinham em comum realizar uma forma de solidariedade que se traduzia em empréstimos sobre penhora e com juros muito baixos. As instituições viradas para a beneficência evoluíram para outras formas de ajuda, em particular através de mútuas e de poupança para pensões. Diferem das casas de penhor, pois estas são casas comerciais e a usura é a regra!
Os primeiros Monte di Pietà foram fundados por franciscanos, para ajudar os necessitados, emprestar dinheiro com penhora de bens e evitar a usura. O Monte dei Paschi di Siena foi fundado no século XV e é o mais antigo banco do mundo. Está hoje nas mãos do Estado, depois de resgatado e resolvido por mais de cinco mil milhões.
O Montepio português, associação mutualista, foi fundado em 1840 com o nome de Monte Pio dos Funcionários Públicos. Mais tarde, vieram o banco e outras actividades conhecidas.
A Misericórdia de Lisboa, fundada pela Rainha D. Leonor, tem mais de 500 anos. Foi estatizada no século XIX pelos liberais. Assim ficou com a monarquia constitucional, a república e o corporativismo. Até que os revolucionários de 1974 extinguiram as misericórdias. Com a democracia, a nacionalização foi revogada, mas a Misericórdia de Lisboa continuou no Estado. Além dos jogos, sua principal fonte de rendimento, tem um vasto património e é a mais importante organização de solidariedade portuguesa. Ocupa-se de doentes (Alcoitão, por exemplo), pobres, velhos e crianças.
É fácil perceber por que razão a Caixa Económica Montepio Geral deseja que a Santa Casa da Misericórdia entre no capital do banco. Salvo erro, é simplesmente porque teve má gestão, precisa de dinheiro, não tem as contas em ordem e corre riscos de falência, resgate ou resolução. A Associação Mutualista Montepio Geral, proprietária do banco, quer a mesma coisa, isto é, que alguém entre com dinheiro, mas de modo a ficar a decisão inteiramente do lado dos seus actuais proprietários.

Já é muito mais difícil perceber por que diabo quer a Misericórdia de Lisboa comprar parte do banco do Montepio. Não se consegue entender. A tentação do negócio? A atracção sedutora e fatal da banca? A importância social e política? Ou simplesmente obedecer ao Governo?
O governo tem as suas razões, evidentemente. Pela boca de ministros avulso, sabe-se que o governo vê com bons olhos que a Santa Casa entre no Montepio. Os riscos desta operação são enormes. Uma instituição em bom estado, com um orçamento superior a 200 milhões de euros, vai exercer funções fora do seu estatuto para se perder numa outra em mau estado. Será que o Governo quer arranjar alguém que resolva o banco, sem ter de gastar o seu dinheiro e sem agravar o défice? Mas a Santa Casa é do Estado… Quer o governo evitar a resolução e a falência (como os outros bancos conhecidos)? Vai o governo ficar com dois problemas graves (Montepio e Santa Casa) em vez de um só?
Há evidentes riscos para milhares de pensionistas do Montepio, para outros tantos doentes, pobres, idosos e crianças apoiados pela Santa Casa. É chocante a irresponsabilidade dos governantes! E ainda mais surpreendente é a quase ausência de protestos na opinião pública. Só não se espanta quem pensa que os Portugueses estão já tão moralmente corruptos que não se importam com a destruição de instituições de apoio social, em nome de opções políticas de oportunidade.

DN, 28 de Janeiro de 2018

domingo, 21 de janeiro de 2018

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

A Fundação Champalimaud, à beira Tejo, em Lisboa – Pelo local e pela forma do edifício, a alusão ao mar é inevitável. Este navio em terra trouxe valor a uma margem do rio que, ano após ano, século após século, se enriquece com edifícios interessantes e obras notáveis. O sítio é de tal modo carregado que, mesmo depois de décadas de abandono, sempre ali se volta e o sentimento de permanência é inevitável. Depois da Torre de Belém, dos Jerónimos, do Terreiro do Paço, do Padrão das Descobertas, do Parque das Nações e da Torre de Controlo Marítimo de Pedrouços, esta Fundação marcou o seu lugar com força e ousadia. Depois dela, o MAAT e o Terminal de Cruzeiros de Santa Apolónia estão igualmente aí para afirmar que a Lisboa ribeirinha, o estuário, o mar da Palha e a foz do Tejo formam, no seu conjunto, uma verdadeira maravilha. Pelo edifício e sobretudo pelo que se passa lá dentro no domínio da investigação, esta Fundação é obra importante e gesto raro na nossa história.

DN, 21 de Janeiro de 2018

Sem emenda - Gente sem culpa

O Presidente da República tem uma maneira muito própria de intervir: exibe o seu optimismo, garante que o que deve ser feito está a ser feito e afirma que o governo está a tomar conta. Este comportamento tem vantagens e riscos. Os ganhos são evidentes e já tivemos várias experiências, a começar pelos incêndios e Tancos, por exemplo. O governo assobiava, mas, perante a acção do Presidente, teve de passar ao acto. Toda a gente ficou a ganhar. Mas os perigos são também evidentes. Com efeito, se vier a verificar-se que o governo não faz, o PR passa por mentiroso e fica na obrigação de tomar medidas excepcionais.
De qualquer modo vivemos um período fascinante. O governo estabeleceu uma coligação inédita, fez uma aliança estranha e encontrou uma solução inovadora. O Presidente, por seu turno, definiu um estilo próprio, um comportamento singular e uma actuação imaginativa. Ambos, presidente e governo, estão a contribuir para a reforma política e a criação de variedades constitucionais. É obra importante.
Não sabemos se este processo tem um fim feliz ou infeliz. Logo se verá. Mas, para compensar, há outros desenvolvimentos que podem ter desenlaces nefastos. A começar pela impunidade nas áreas dos grandes negócios e da corrupção.
Entre parcerias e aventureiros, há centenas de pessoas que lucraram com decisões dos governos, com medidas tomadas pelas administrações dos bancos e de empresas privadas e públicas, medidas essas e decisões aquelas pensadas para defraudar e roubar bens empresariais ou públicos. Há gente que enriqueceu, sem criar valor, só porque recebeu crédito sem garantias. Há gente que concedeu esses créditos e recebeu prémios. Há políticos e gestores públicos nessa condição. Há gestores privados, banqueiros e empresários, nessa situação. Há sobretudo as decisões formalmente lícitas, que fizeram a ruína do sistema financeiro português! As designações de “crédito mal parado” e de “imparidades” são eufemismos que, na maior parte dos casos, significam fraude, corrupção, gestão danosa, destruição deliberada de valor e locupletação indevida com cumplicidade política! Onde está esta gente? Onde estão os dinheiros que desapareceram?
São todos honestos até ser provado o contrário. São todos inocentes até se ter a certeza de que são culpados. Mas vai ser tão difícil, tão complexo demonstrar a culpa! As decisões dos governos que aprovaram projectos inviáveis, apoiaram créditos impossíveis, garantiram compradores inexistentes, deram aval a negócios improváveis e viabilizaram empreendimentos ruinosos serão sempre decisões políticas lícitas, com boas intenções e com a certeza da procura do bem comum. Demonstrar que tudo isso era uma armadilha e um assalto à riqueza pública vai ser praticamente impossível. E se tal for demonstrado, a incapacidade da justiça, os poderes dos advogados, a influência dos partidos e as artes imaginativas dos recursos e garantias farão com que a maior parte desta gente nunca sinta a culpa, muito menos o castigo. Foi tudo a bem do povo. Mas, entretanto, faliram empresas, arruinaram-se bancos, desapareceram milhares de milhões volatilizados, foram dados sinais de que se pode capturar o Estado, vender papel que nada vale, oferecer crédito sem retorno, financiar obras sem viabilidade e apoiar projectos sem utilidade.
Estamos perante uma situação confrangedora de incompetência de polícias e de ladrões, quer dizer, de inspectores, procuradores, magistrados, secretários de Estado, ministros, gestores e banqueiros. Tire-se da cabeça a ideia ou a esperança de poder ver, um dia, na presente ou na próxima década, explicações cabais para o que se passou, esclarecimentos dos mistérios ocorridos, julgamentos e condenação de criminosos! De recurso em recurso, de adiamento em adiamento, de chicana em chicana, de impossibilidade de provar em dificuldade em demonstrar, não haverá responsáveis nem culpados!

DN, 21 de Janeiro de 2018

domingo, 14 de janeiro de 2018

Sem Emenda - A inocência perdida

A nomeação, pelo Presidente da República e sob proposta do Governo, do Procurador-geral da República, é dos actos mais sérios do elenco de competências dos titulares de órgãos de soberania. A seriedade deveria ser a regra, o que não exclui debate. Transformar aquela designação, a quase um ano de distância dos prazos devidos, numa cena de intriga não é próprio de uma República decente. Governantes, partidos, jornalistas e gente avulsa já se encarregaram de estragar a próxima nomeação, de que alguém sairá mal.
Como é evidente, há, em teoria, várias soluções para o problema. O mandato pode ser sem renovação. Ou só com uma, ou duas ou três. Ou sem limite. Há em Portugal soluções para todos os gostos: o Presidente da República, os Presidentes de Câmara e de Junta de Freguesia, os juízes do Tribunal Constitucional, o Procurador-geral da República, o Provedor de Justiça, o Presidente do Tribunal de Contas, o Governador do Banco de Portugal e outros. Quando o legislador quis estabelecer limites, estes ficaram explícitos. Se não estão, é porque não há. Gostemos ou não. Todas as soluções são legítimas e legais, desde que expressas na lei. Cada um pode gostar mais de uma ou de outra, é seu direito. O que não se pode é divagar sobre as intenções do legislador, conforme as conveniências pessoais. Mas parece que é por causa disso, das divagações, que há tantos juristas e gente que sabe tanto de Direito!
Por mais legítima que seja, por mais racional e cuidada que venha a ser, qualquer decisão ficará sempre marcada pela intriga. O próximo PGR nascerá estigmatizado por uma espécie de reserva de desconfiança. A escolha ficará para sempre sob suspeita. Para salvar ou condenar Sócrates? Para liquidar ou ressuscitar Salgado e o Grupo Espírito Santo? Para ocultar ou trazer à luz do dia administradores do BES e do GES que se têm mantido na sombra? Para ajudar ou prejudicar os socialistas? Para sentenciar ou poupar Granadeiro, Bava, Vara, Penedos, Vicente, Oliveira e Costa, Lalanda, Macedo e outros? Para afastar do horizonte ou renovar a questão da lista das 200 personalidades dos Panamá Papers de que tanto se fala? Para arredar de uma vez por todas ou trazer à superfície o persistentes rumor sobre as gravações alegadamente nunca destruídas das escutas telefónicas de Sócrates e de muitos políticos e empresários?
As razões para desconfiança são muitas. Mas uma coisa é certa: a próxima nomeação não será inocente. A escolha será feita por causa dos boatos. Qualquer que seja a decisão, haverá desautorização, cedência, recuo ou derrota de uma ou várias figuras centrais do Estado: Ministra, Primeiro-ministro, Procuradora e Presidente da República. Não é muito saudável.
A renovação do mandato da actual Procuradora (que parece ter feito excelente trabalho) ou a sua substituição têm de resultar da vontade explícita do governo e do Presidente da República. Creio que nunca saberemos o que pensam a Ministra, o Primeiro-ministro, a Procuradora e o Presidente da República. Só sabemos que há gente interessada em liquidar o fim do mandato da actual Procuradora, em tornar ilegítima a nomeação futura, em fragilizar o Presidente da República e em perturbar o curso de alguns dos mais difíceis processos da história do país dos últimos cem anos!
Aliás, não passou despercebida a coincidência, no tempo, entre a intenção de substituir a Procuradora, a recordação dos “casos das adopções da IURD” e a apresentação, ao Presidente da República, de um primeiro rascunho para um Pacto de Justiça proposto pelos corpos e sindicatos.
É cada vez mais possível que nunca haja julgamento das figuras importantes da política, do Estado, dos partidos, da economia e da banca. Que nunca haja legislação eficaz sobre corrupção. Que a crise da Justiça se desenvolva. Que o Pacto de Justiça, já hoje mal nascido, seja enterrado. Este debate sobre a nomeação da Procuradora é desnecessário, extemporâneo e muito prejudicial, além de perversamente orientado. É um atentado à Justiça. 


DN, 14 de Janeiro de 2018

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

O Cristo das Trincheiras no mosteiro da Batalha. A estátua de Cristo crucificado, com braço e pernas partidas, além de ferida de bala no peito, tem o curioso nome de Cristo das Trincheiras. Veio da Flandres, onde, durante meses, fez companhia aos soldados do Corpo Expedicionário Português. Faz agora, no Ano Europeu do Património, um século que tudo isso aconteceu. E faz sessenta anos que o Cristo veio para Portugal. Conhecem-se fotografias da estátua, ainda intacta, no meio das trincheiras. São da autoria de um grande fotógrafo que "cobriu" parte da campanha da Flandres, Arnaldo Garcez. A estátua encontrava-se, em 1918, no cruzamento de estradas perto de Neuve-Chapelle. Aquando da batalha de La Lys, em que os alemães destroçaram a força portuguesa, o Cristo foi também bombardeado e quase destruído. Morreram nessa batalha milhares de portugueses. Os que sobreviveram recordaram sempre o Cristo das Trincheiras, que por ali ficou, mesmo quebrado, durante quarenta anos. Em 1958, as autoridades francesas acederam aos pedidos do governo: a escultura foi entregue ao exército português, viajou de avião para Lisboa e daí para a Batalha, onde, a 9 de Abril de 1958, foi fazer companhia, na Sala do Capítulo, ao túmulo do Soldado Desconhecido, que já ali se encontrava desde 1921.
DN de 14 Jan 18

domingo, 7 de janeiro de 2018

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Senhor a passear no Chiado, em Lisboa, com cão, raparigas bonitas da publicidade e calçada à portuguesa – Pelas personagens e pelo ambiente, não fora a calçada do passeio a denunciar o sítio, podia ser em qualquer cidade moderna, na Europa ou no resto do mundo. A hortaliça a crescer junto à parede é também um argumento indiscutível de origem demarcada. É uma cena de rua banal, quotidiana, sem drama, só que impossível há duas ou três décadas, por ele, por elas e pelo cão. A composição fotográfica tem qualquer coisa de estranho, parece uma montagem publicitária em que o senhor, as raparigas e o cão interagem com desfaçatez…

DN, 7 de Janeiro de 2018

Sem emenda - Frágil. Vulnerável. O Estado.

É talvez o momento ideal para discutir coisas sérias. Só há eleições legislativas daqui a um ano. As reservas de demagogia ficam para então. A coligação parlamentar está segura. No PS, partido do governo, há quem queira pensar e discutir doutrina e programas. Ocupado até agora com habilidades, este partido necessita de pensar. Na oposição, há uma eleição crucial para o PSD. Este partido ainda sofre, justa e injustamente, dos efeitos da austeridade e de dois anos de oposição. Tem necessidade absoluta de repensar.
Todos os partidos precisam de pensar, com certeza. Mas os dois principais, se o querem continuar a ser, precisam disso como de pão. Se não o fizerem e se não esclarecerem, correrão riscos de fragmentação ou de pulverização, a exemplo de grande parte dos países europeus.
Mais de um ano antes de eleições, há tempo para pensar e debater. Não chegará para tudo esclarecer, mas o processo pode ter início. Que é cada dia mais urgente, com a crise europeia, as ameaças de nova crise financeira e as tensões internacionais.
Para o debate português, entre outras questões vitais, uma parece emergir: a da fragilidade do Estado. Os últimos anos foram cruéis e reveladores.
O Estado ficou frágil diante dos interesses de meia dúzia de grupos, de famílias e de bancos sem escrúpulos, com métodos que incluíram o banditismo, o crime de colarinho branco e o aproveitamento de oportunidades que o regime democrático oferecia.
O Estado esteve frágil perante as actuações predadoras de bandoleiros que conseguiram utilizar todos os processos democráticos de organização do poder político, da Administração Pública e dos órgãos de soberania, para corromper, enriquecer e locupletar.
O Estado expôs fragilidades por falta de inteligência e de ciência, ao ter de recorrer a empresas, assessores, consultores e escritórios, que, dizendo o que o Estado queria ouvir, obrigaram o Estado a fazer o que eles queriam que fizesse.
O Estado mostrou-se frágil por ocasião dos incêndios de Verão, os quais, apesar de previsíveis, provocaram uma das maiores hecatombes da história do país, no quadro de um fenómeno raro de incompetência e de irresponsabilidade.
O Estado revelou-se frágil no momento em que, imagine-se só, até os depósitos de armas das Forças Armadas foram violados e roubados, na ausência, por enquanto, de infractores e de responsáveis.
O Estado patenteou fragilidade quando, nas operações de privatização, tantas vezes para entidades públicas estrangeiras, não defendeu os interesses nacionais com mais rigor, seja a estabilidade das empresas, sejam os direitos dos cidadãos e dos consumidores.
O Estado exibe toda a sua fragilidade quando o sistema de Justiça, capaz, por um lado, de resolver centenas de milhares casos do dia a dia, é, por outro lado, absolutamente incapaz de, com respeito pelos direitos dos cidadãos e em obediência às regras de uma democracia liberal, tratar a tempo e horas dos bandidos com grau universitário, dos criminosos de colarinho branco, dos malfeitores com nome de família, dos facínoras com propriedade, dos celerados com empresa, dos delinquentes eleitos e dos corruptos com cartão de partido.
O Estado evidenciou a sua enorme fragilidade ao não conseguir levar a bom termo, em tempo decente, processos de investigação de um Primeiro-ministro, de ministros, de secretários de Estado, de adjuntos e assessores do governo, de directores gerais, de presidentes de institutos públicos, de presidentes de conselhos de administração e de administradores de empresas públicas e privadas, de oficiais das forças armadas e até de um chefe de polícia acusados há anos e à espera de não se sabe o quê.
Em tudo quanto diz respeito à corrupção política, ao poder económico, às regalias dos partidos políticos e ao privilégio de famílias com nome e fazenda, o Estado democrático encontra-se jacente e moribundo.
O Estado português não está à altura da democracia europeia, da liberdade e da protecção devida aos cidadãos.

DN, 7 de Janeiro de 2018